Depois de um cansativo mas maravilhoso trekking, era hora de começarmos outra atividade dentre as quais nos propusemos a fazer durante nossa viagem de volta ao mundo: o voluntariado no Nepal. Como o trekking aconteceu para arrecadar fundos para o orfanato BFCH (Brighter Future Children’s Home), no dia seguinte ao que chegamos a Kathmandu fomos para Bistachhap, uma vila com umas 30 casas a 18 km da capital. Era hora de conhecer quem receberia os USD 42.000 arrecadados, quantia suficiente para manter as 15 crianças e 4 pessoas do staff por dois anos!
A chegada ao orfanato em nosso voluntariado no Nepal
Foi muito bom ver os sorrisos nos rostos deles, todos agradecidos pela ajuda e querendo mostrar um pouco de suas habilidades. Para isso prepararam uma sequência de apresentações de danças, cantos, teatro e poemas relacionados ao Nepal e nos divertimos a tarde toda. Depois de muitas fotos era hora de voltarmos para o conforto do hotel em Kathmandu, pois no dia seguinte todos iriam embora. Exceto eu e a Mila.
No domingo, um taxi do tamanho de um Fiat 147 com no mínimo 25 anos de uso, foi nos apanhar no hotel. Não cabíamos a Mila, eu e as duas malas, ou seja, tivemos que amarrar uma das malas no teto e torcer para não cair. O taxista dirigia como um louco e com a mão na buzina o tempo todo. Na verdade no Nepal o carro não precisa ter nada além da buzina. Ela é a parte mais utilizada do veículo!
Foram 90 minutos, com muita emoção, para desbravar os 18 km entre Kathmandu e a vila de Bistachhap. Fomos deixados no orfanato e nossas malas seguiram para a casa da família que iria nos hospedar.
Costumes na área rural do Nepal
Antes de irmos para nosso lar temporário tivemos um treinamento básico sobre os costumes nesta área do Nepal:
– Nunca entrar com calçados nas casas. E nunca deixar o sapato virado com a sola para cima (acreditam que dá azar).
– Não assobiar dentro de casa (também dá azar).
– As refeições são feitas com as mãos, eles não usam talheres.
– As mulheres não podem mostrar nada dos joelhos para cima.
– Os banheiros ficam fora das casas.
– Não tem banho quente e o banho é ao ar livre, ou seja, as mulheres tem que aprender a fazer malabarismo para tomar banho enroladas em um sari. Homem pode tomar banho de shorts.
– Não utilizam privadas, só um buraco no chão.
– Não tem papel higiênico, eles limpam usando a mão esquerda e água.
– Nunca comer com a mão esquerda, afinal ela serve para as funções “sujas”.
– Nessa área do Nepal o costume é ter coisas comunitárias. Nos recomendaram trancar o quarto com as coisas que não gostaríamos de dividir.
– Não há energia elétrica, no mínimo, 12 horas por dia.
– Esperam que as pessoas comam bastante e arrotar é um sinal de que gostou da comida.
– Todos comem antes que as mulheres da casa, elas servem até os homens e crianças estarem satisfeitos e só depois comem.
– Os Nepaleses comem duas refeições ao dia, uma às 9 horas e outra às 19 horas. Nas duas são servidos daal bhaat (arroz e lentilha), curry de batata e pimenta.
– As coisas são bem simples no Nepal, ainda mais nessa região.
– Não é permitida nenhuma demonstração de afeto entre mulher e homem nas ruas, ou seja, eu e a Mila não podemos nem dar as mãos ao caminhar.
– É normal que os homens andem de mãos dadas, abraçados ou de braços dados. É sinal de amizade.
– Algumas palavras importantes: miTho chha (delicioso), pugyo (suficiente) e dhan-ya-bahd (obrigado).
– As crianças vão nos chamar chamar de Dai = senhor (Danilo) e Didi = senhora (Mila).
– Apesar de proibido por lei, o sistema de castas continua valendo nas áreas rurais, ou seja, a discriminação das castas inferiores ainda existe.
Chegando em nossa nova casa para o voluntariado no Nepal
Bem, ficamos com a cabeça cheia de tanta informação em tão pouco tempo e às 19 horas saímos do orfanato em direção a casa da família que nos receberia. Já estava escuro então o jeito foi pegar nossas lanternas e saírmos pelas ruas de terra do vilarejo. O responsável pelo voluntariado nos acompanhou até a casa do Radheshyan, guarda noturno do orfanato, onde ficaríamos hospedados.
A chegada
Ao chegarmos fomos recebido por toda a família, oito no total. O dono da casa, sua esposa, sua mãe, seu pai, seu filho, suas duas filhas e sua sobrinha. A comunicação só era possível com ele, as filhas e a sobrinha pois falavam inglês, com os demais era impossível.
Ficamos um tempo conversando, sentados no chão fora da casa, até sermos convidados a entrar na cozinha para nosso primeiro (de muitos) daal bhaat. O dono da casa e o filho sentaram no chão de terra, nós, como visitas, ganhamos dois pedaços de madeira sobre o chão para sentarmos, a mãe e a esposa ficaram cozinhando e servindo e as três meninas ao lado olhando.
A primeira refeição
Para cozinhar eles usam um buraco no chão cheio de palha e gravetos e as panelas são colocadas sobre uma “grelha” acima desse buraco. É bem estranho comer com uma platéia observando!
Os pratos eram de alumínio com 4 divisórias, uma para o arroz, outra para a lentilha, outra para o curry e a última para o molho de pimenta. Fomos servidos mais do que eu comeria em um dia todo, e ficamos torcendo para que alguém começasse a comer pois não sabíamos como fazer! É fácil, mistura tudo em um dos espaços no prato, faz uma massaroca com as mãos e manjare! Para tentar visualizar, imagina você comendo com as mãos arroz, feijão, batata cozida e pimenta, tudo misturado e para facilitar sentado no chão de terra com as pernas cruzadas até adormecer. Fácil, né?
Depois de comer tudo e raspar os pratos com os dedos (da mão direita, lembrem que a esquerda tem outras utilidades ;)), ficamos sentados com a mão toda melada e arroz espalhado pela perna inteira. Por sorte o costume aqui é “socializar” antes da refeição e logo pudemos sair da mesa e ir correndo lavar as mãos e as pernas.
Os hábitos locais
A casa tem apenas uma torneira ao ar livre e uma ao lado do banheiro. Este local aberto serve como pia da cozinha (para lavar comidas e louças), como pia do banheiro (para escovar dentes e lavar o rosto), como tanque (para lavar roupas) e como chuveiro (a maioria dos moradores da casa toma banho nele).
Depois desse jantar era hora de irmos para nosso quarto. Ele fica em frente à cozinha e ao lado do curral das três vaquinhas que moram na casa. Ou seja, dormimos parede com parede com as vaquinhas!
Nosso quarto
Como estava em uma das 12 horas do dia sem energia, pegamos nossa lanterna para tentar nos achar no quarto. Para nosso susto, a primeira coisa que vimos ao lado da cama foi uma aranha marrom quase do tamanho da palma da minha mão. Sorte que a lanterna era fraca e só no dia seguinte vimos a quantidade de teias que havia embaixo da cama. Jogamos nossos sacos de dormir sobre a cama, fechamos as malas para evitar que algum aracnídeo vá embora conosco e deitamos torcendo para dormir apenas os dois na cama!
Estávamos cansados, então dormimos relativamente bem. A cama não tem colchão, apenas uma espuma e um lençol acima da madeira, e mesmo com nossos sacos de dormir servindo para amaciar um pouco mais, ainda acordamos bem doloridos. Após alguns dias vamos nos acostumar, mas o começo é difícil.
O banheiro
Acordamos às 5 horas, logo que começou a clarear e a vontade matinal de ir ao banheiro estava grande. Essa foi outra batalha. Atrás da casa tem uma construção de tijolos, dividida em duas partes. Uma é o chuveiro, uma das opções para tomar banho gelado, outra é um buraco no chão que serve como banheiro. O problema é que ele é cheio de aranhas por ser fora da casa (e elas são bem grandes). Para fazer xixi eu já aprendi a ir atrás do “quarto” das vacas, mas coitada da Mila. Imaginem ficar agachada, tentando se equilibrar pra não cair no buraco e ainda tomar conta das aranhas para não levar nenhuma para o quarto!
A renda per capita do Nepal está entre as 20 menores do mundo (USD 100 por mês), ainda não existe uma constituição e os conflitos políticos entre os partidos maoístas e os demais são grandes, não ajudando muito para uma evolução consistente. Ou seja, é um povo que ainda precisa de muita ajuda.
A família que está nos recebendo tem costumes muito diferentes dos nossos, mas são pessoas extremamente do bem, super batalhadores e muito alegres. Nos receberam como parte da família e merecem toda nossa admiração!
Voltando ao nosso dia, logo depois do desafio de ir ao banheiro, serviram o tradicional ci-yah (chá local) e saímos para o orfanato. Ao chegarmos lá esquecemos de todos os desconfortos, estar com essas crianças é muito gratificante e uma lição de vida! Acompanhe como foram nossos dias no orfanato.
E não deixe de nos seguir em nossas redes sociais — Facebook, Instagram e Twitter — para conferir outras dicas exclusivas sobre viagens!
Deixar um comentário