De Amenal a Santiago de Compostela: 14 Km

Para o 31°, e último, dia do Caminho deixamos apenas uma curta caminhada de pouco mais de 3 horas. Saímos às 6:30, com as lanternas na cabeça, sabendo que seria o último amanhecer que veríamos antes de chegar ao nosso destino final. Não tínhamos muito o que conversar, seguimos cada um focado em seus próprios pensamentos. Uma sensação estranha de que, em breve, o tão esperado objetivo seria alcançado e este ciclo se encerraria.

Fomos direto até o Monte do Gozo, 5 Km antes de Santiago de Compostela, uma pequena elevação de 372 m, de onde os peregrinos conseguem ter a primeira visão da cidade. Desde 1993 há um monumento aos peregrinos neste local.


Começando a descida do Monte do Gozo já sabíamos que nossa jornada, iniciada na longínqua Saint Jean Pied de Port, em um dia que parece tão distante, terminaria em menos de uma hora. Pegamos então uma meia hora de chuva na cabeça, para limpar o que quer que ainda restasse. Porém, ao nos aproximarmos da cidade, a chuva de repente parou, para nossa alegria.

Eu, que desde pequena sou uma manteiga derretida, aguentei firme até entrarmos na cidade antiga. Quando já era possível avistar as torres da Catedral não segurei mais a emoção. E, assim, chorando, como não poderia deixar de ser, cheguei finalmente na Plaza del Obradoiro, de frente à Catedral de Santiago.

Para aumentar a emoção ainda encontramos meus sogros, que estavam nos aguardando, e nosso amigo húngaro Akos, que havíamos “perdido” nos últimos dias.


Fizemos o ritual de todo peregrino: passar pelo Pórtico da Glória, abraçar a imagem do Apóstolo que preside a nave central e visitar sua tumba para agradecer.


Depois fomos registrar nossa chegada na Oficina de Peregrinos, onde pegamos nossa Compostelana. A Compostelana é um certificado emitido pela igreja aos peregrinos que vão ao túmulo do Apóstolo, por motivo religioso e/ou espiritual, pelas rotas do Caminho de Santiago, a pé (ao menos os últimos 100 Km), de bicicleta ou a cavalo (os últimos 200 Km).

Deixamos para assistir à Missa dos Peregrinos, que ocorre todo dia às 12h, no dia seguinte. Assim, já descansados, concluímos a última etapa do nosso Caminho de Santiago.


O Caminho de Santiago é uma experiência individual, que sempre terá diferentes significados para cada um que o percorre. Mesmo que seja feito em um grupo, ou com algum companheiro, como nosso caso, a vivência é particular.

Saímos do “mundo moderno” e voltamos ao básico: andar, se alimentar, descansar e ter como único objetivo seguir em frente. É como um retorno a um tempo passado: voltamos a admirar a natureza, sentir seus aromas, ouvir seus ruídos, enfrentar calor e frio, ver o dia nascer e se despedir, acompanhar diariamente a mudança da lua. Aprendemos a conhecer nosso corpo e nossos limites, e a superá-los. Vivenciamos a bondade do ser humano, convivendo com pessoas que não se conhecem, não falam o mesmo idioma, mas estão na mesma jornada e se ajudam. Enfim, um retorno à simplicidade, tão esquecida nos dias de hoje.

Para mim, o Caminho foi também uma grande vivência do momento presente. Eu, organizada e metódica, sempre fui de fazer muitos planos e de viver com um pé aqui e outro logo em frente. Consegui, talvez pela primeira vez, viver com intensidade cada dia e ver que o caminho vale tanto, ou mais, do que a chegada. E que a vida, de fato, é o agora.